Qualificação de Insumos Farmacêuticos
Dárcio Calligaris
Definimos medicamentos como toda especialidade farmacêutica que contém um fármaco ou mistura de fármacos, utilizado para prevenir ou diagnosticar uma doença, aliviar sintomas, corrigir, modificar ou restabelecer as funções orgânicas alteradas.
Medicamentos são também produtos comerciais com características únicas que se diferenciam dos demais bens de consumo, por possuírem uma atividade farmacológica potente. Além do efeito terapêutico, podem causar danos ou reações graves irreversíveis, e até a morte, quando o produto, prescrição ou administração forem defeituosos. Sendo os medicamentos produtos críticos à saúde, as indústrias farmacêuticas devem garantir que cada medicamento atue no paciente de forma segura, eficaz e aceitável. Para isto existem políticas, práticas estabelecidas e dirigidas para assegurar e garantir a qualidade dos medicamentos.
A preocupação com a qualidade dos medicamentos é antiga, o avanço tecnológico, a implantação de sistemas de qualidade, a NBR ISO 9001-2000, a Boas Práticas de Fabricação na indústria farmacêutica (BPF) e as resoluções publicadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) do Ministério da Saúde do Brasil nos últimos anos, dinamizaram a Indústria farmacêutica brasileira, resultando em uma evolução no âmbito social, pois coloca produtos de qualidade, eficácia e segurança disponíveis a uma grande faixa da população brasileira.
O avanço tecnológico nos últimos anos é notável, assim como a competitividade no mercado e percebe-se que a indústria farmacêutica está implantando procedimentos de fabricação totalmente automatizados onde as matérias-primas são combinadas por diferentes processos, adaptados as características de cada matéria-prima não necessitando a intervenção do homem (operador) nas operações unitárias.
Nestes processos automatizados é de extrema importância que as matérias-primas apresentam sempre a cada fornecimento as mesmas características físico-químicas e microbiológicas, para que não ocorra interrupção dos processos automatizados e que o produto saia sempre com a qualidade desenhada no desenvolvimento.
Na otimização dos processos industriais, a diminuição de custos exige da indústria farmacêutica no Brasil uma crescente adoção de procedimentos corretos e eficientes. O programa de validação tornou-se conhecido por todos os profissionais das indústrias farmacêuticas e é a alavanca para o crescimento industrial farmacêutico.
Validação é um conceito fundamental das Boas Práticas de Fabricação, e para qualquer programa de Garantia de Qualidade, é definida como: “o meio de acumular todas as evidência que justifiquem de forma segura e completa a eficácia de um processo”, ou seja, comprovar que os procedimentos, máquinas e equipamentos, qualidade de matérias-primas e materiais de embalagem, recursos físicos e humanos, tenham sido desenhados e ou escolhidos apropriadamente, e que mantenham inalterado o grau de qualidade de lote a lote, de unidade a unidade da forma farmacêutica. A validação de um processo requer a qualificação, realização de ensaios para determinar se um componente de um processo de fabricação apresenta os atributos para obter a qualidade especificada do produto, de cada um de seus componentes mais importantes.
Alguns dos componentes freqüentemente considerados em um estudo de validação para um processo industrial farmacêutico são:
• Desenho do produto;
• Qualidade dos insumos farmacêuticos (especificação de matéria-prima e material de embalagem);
• Instalações;
• Sistemas de apoio crítico (ar, água, vapor);
• Máquinas e equipamentos;
• Calibração de instrumentos;
• Recursos humanos.
Se algum dos componentes acima apresentar variações continuamente teremos situações distintas em cada lote do medicamento fabricado, e, portanto, para cada lote obteremos um produto com características diferentes (físico-químico e microbiológicas) chegando até alterar a biodisponibilidade do produto farmacêutico, colocando em risco sua qualidade, eficácia e segurança. A qualificação separada de cada componente é necessária para fixar os parâmetros que conduzem a uma qualidade uniforme de lote para lote.
Como vimos, o tema que iremos tratar, que é a qualificação de fabricantes de matérias-primas e materiais de embalagem, é muito importante para a validação do processo industrial e do produto farmacêutico. Para melhor entendimento vamos chamar de qualificação de fabricantes de matérias-primas e materiais de embalagem como qualificação de insumos farmacêuticos. Vamos utilizar a denominação fabricante para quem fabrica o insumo, e fornecedor para aquele que representa o fabricante, podendo ser homologado ou não.
A qualificação de fabricantes de insumos farmacêuticos é um dos requisitos das Boas Praticas de Fabricação (BPF), e faz parte da Resolução RDC nº 210/03 da ANVISA. Seu cumprimento é obrigatório pela legislação vigente e também é uma necessidade do mercado farmacêutico. “Todos os fabricantes de medicamentos devem possuir um cadastro de fornecedores qualificados”. Seu cumprimento é obrigatório pela legislação vigente e também é uma necessidade do mercado farmacêutico.
Existe toda uma metodologia para a qualificação de fabricantes. Em resumo a qualificação de insumos farmacêuticos compreende quatro passos.
1º passo: A identificação de fabricantes de sua confiabilidade.
2º passo: Conhecer o sistema de qualidade do fabricante por meio de carta explicativa sobre as intenções de qualificar o fabricante, solicitando:
a) Avaliação do sistema de qualidade - solicitar o programa do sistema de qualidade implementado pelo fabricante e o envio de documentações relacionadas com a fabricação e controle de qualidade do insumo (ex.: drug master file, cuidados com o meio ambiente etc.);
b) Manual de qualificação do fabricante, acompanhado de um questionário de avaliação para ser respondido;
c) Critérios de pontuação e avaliação;
d) Solicitação de amostras de 3 lotes diferentes do insumo que se quer qualificar, acompanhado da especificação, metodologias analíticas utilizadas pelo fabricante e os resultados analíticos das três amostras enviadas; As documentações solicitadas assim como o questionário respondido devem retornar ao solicitante para avaliação, dentro de um prazo negociado entre as partes.
3º Passo: Avaliação. Cada resposta do questionário terá uma avaliação de acordo com sua criticidade e risco que pode causar ao produto farmacêutico.
Existem diversas formas de avaliar o fabricante, normalmente é utilizado um critério para pontuar cada resposta, aconselhamos utilizarem o bom senso para a escolha do melhor critério para a sua empresa, ou consultar outras indústrias que já qualificam.
As documentações enviadas devem ser minuciosamente analisadas e quaisquer dúvidas devem ser esclarecidas imediatamente com o fabricante, negociando uma data para a resposta. A veracidade das informações recebidas serão efetivamente comprovadas por meio de uma auditoria nas instalações do fabricante, que corresponde à etapa final deste programa.
Também deve ser realizada uma avaliação de amostras, avaliação exaustiva do insumo, desafiando-o para cumprir as especificações de compêndios oficiais ou de desenvolvimento interno de sua empresa, e também as enviadas pelo fabricante.
4° Passo: Avaliação de desempenho. Deve ser realizada periodicamente, a freqüência da avaliação de desempenho deve ser determinada pela empresa pela forma que lhe dê mais segurança. Cada fabricante é avaliado em termos de qualidade total considerando os indicadores de desempenho.
• Indicador de qualidade (IQ) - baseado nas informações dadas pelo fabricante, na resposta dos questionários e documentações apresentadas, inspeção nas instalações do fabricante, acompanhamento de suas entregas, considerando aprovações, reprovações, desempenho em produção, não conformidades;
• Indicador de serviços (IS) - qualidade na entrega, rapidez no atendimento, capacidade para solucionar problemas, iniciativa, disponibilidade, acompanhamento. Acompanhamento do fabricante sobre o nível de satisfação do cliente, que não existe ainda no Brasil, estabilidade financeira, trabalhista.
• Indicador de preços (IP) - considerar a média dos preços em um período, comparando com índices econômicos; prazo de pagamento, avaliação do prazo médio para pagamento com os pedidos colocados; encargos financeiros, comparar os praticados pelo fabricante com os de sua empresa. Finalmente é escolhido o melhor fabricante de insumo pelo que tem a melhor pontuação (média dos indicadores) obtida na avaliação de desempenho, sendo fornecido certificado de qualificação para o fabricante, por tempo determinado. Para motivar todos os fabricantes qualificados ou não, fica a critério da empresa promover uma cerimônia para entrega dos certificados. Nas indústrias farmacêuticas, os insumos farmacêuticos, principalmente as matérias-primas com ação farmacológica, devem apresentar especificações bem definidas para não permitir que um lote de qualidade marginal esteja disponível a venda, ou que não apresente bom desempenho em produção.
Como especificar insumos farmacêuticos
Passos a serem seguidos para a escolha de especificações adequadas de insumos farmacêuticos:
Escolher a especificação mais rígida
Vantagens - método direto, simples, necessita da mínima experimentação;
Desvantagens - representa custos ou limita fornecedores.
Escolher especificações críticas
Passo 1 - Especificação rígida - Adotamos a especificação mais rígida para um determinado produto de um fabricante de insumo, utilizando especificações de compêndios oficiais, parâmetros de especificação que não constam em compêndios oficiais e são desenvolvidos internamente, pois a sua não conformidade afeta a qualidade e biodisponibilidade do produto ou seu desempenho em máquina de produção.
Muitas vezes a natureza do produto e sua finalidade requerem especificações especiais para os insumos farmacêuticos, por exemplo, tamanho individual das partículas para fármacos que serão comprimidos diretamente ou que tenham influência na dissolução ou biodisponibilidade, também, precauções especiais para fármacos com instabilidade química ou potencial de reatividade no caso de fármacos facilmente hidrolisáveis.
Passo 2 - Especificação moderadamente rígida - após a utilização da especificação mais rígida para um número significativo de lotes do produto do mesmo fabricante de insumo farmacêutico, retiramos da especificação itens que consideramos de pequeno risco para o desempenho do produto final.
Passo 3 - Especificação normal - após o insumo ser exaustivamente testado nos passos 1 e 2, podemos retirar outros itens da especificação de risco moderado. Este passo é vantajoso quando se conhece bem o insumo farmacêutico e o seu fabricante, como também os processos a que o insumo está sujeito. Para que uma validação tenha sucesso, a fórmula do produto e o processo de fabricação devem estar bem definidos, e quaisquer variações bem identificadas, assim como as especificações dos insumos que compõem a fórmula e seus limites também devem estar bem definidos.
Má definição de especificações de insumos é igual a validação improdutiva.
Deste ponto em diante vale uma reflexão de nossa parte. Com a globalização, muitos fabricantes de diferentes locais do planeta Terra fabricam o mesmo insumo, no caso fármacos e excipientes, com diferentes rotas de síntese e processos. Dependendo da rota de síntese utilizada por diferentes fabricantes, há um perfil de pureza para cada produto. Por exemplo, pode ter como impureza o chumbo que é tóxico, outras impurezas que podem ser cancerígenas ou causarem efeitos colaterais de diferentes graus e impurezas que alteram a cor do produto, o degradando durante o tempo etc., sendo que a farmacopéias existentes não fazem referência. Maiores teores dessas impurezas são típicos de produtos provenientes de um processo de purificação deficiente ou que talvez nem ocorreu.
A inexistência de exigências em compêndios oficiais (USP, BP, EP, Farm. Bras. etc.), obrigam as indústrias farmacêuticas a esforços adicionais para controlar e limitar a presença dessas impurezas no produto final. Muitas vezes também se faz necessário utilizar especificações microbiológicas adicionais.
Analisando e comparando as especificações de diferentes farmacopéias verificamos que a densidade aparente, a granulometria, o tipo cristalino, formas polimórficas não fazem parte das especificações, e como sabemos estes itens tem muita importância na dissolução, biodisponibilidade e produtividade das máquinas utilizadas nos processos industriais. As chances de adquirir materiais que apresentam problemas de compressibilidade são altas e qualquer variação entre os lotes do mesmo fármaco ou excipientes podem representar um desequilíbrio na formulação do produto.
Caso isto ocorra, teremos problemas na fabricação do produto, sendo necessário, reprocessar o lote do medicamento, causando prejuízos à indústria, além de resultar em um produto de qualidade marginal, podendo afetar a biodisponibilidade do medicamento, trazendo riscos de qualidade, segurança e eficácia, desgastando a imagem institucional da empresa.
Concluindo, é impossível ter um produto ou processo validado quando se utiliza insumos de fabricantes diferentes, principalmente quando desconhecemos as suas rotas de síntese e a sua pureza. Torna-se fácil entender que se não qualificarmos o nosso fabricante, teremos muitos problemas acarretando prejuízos a indústria farmacêutica e também aos consumidores que nesse caso necessitam recuperar a saúde.
Nos Estados Unidos o insumo só pode entrar no país após aprovação do Food and Drug Administration (FDA). Na Europa, por meio do Conselho da Europa, o insumo só pode entrar no país após aprovação do órgão responsável pela vigilância sanitária da comunidade européia. No Brasil, infelizmente, estamos sujeitos a todo tipo de insumo procedente de diversos locais do planeta, o que exige das indústrias farmacêuticas do Brasil um esforço muito grande em procurar formas de evitar que insumos adquiridos possam causar desvios de qualidade.
A legislação em vigor no Brasil, que disciplina o registro de substâncias e autorização de funcionamento das empresas que se dedicam à atividade de produção de matérias-primas (fármacos, drogas, insumos ativos, insumos inertes, princípios ativos, farmoquímicos), é a Lei nº 6.390 de 1976 e o Decreto nº 79.094 de 1977, que a regulamentou.
A Lei nº 6.360 e o Decreto nº 79.094 determinam que as matérias-primas farmacêuticas sejam registradas junto ao Órgão do Ministério da Saúde, da mesma forma que os medicamentos correlatos, produtos de higiene, cosméticos, perfumes, saneantes domisanitários, entretanto, a implementação do disposto na legislação fica a cargo de Portarias e Resoluções de Órgãos do Ministério da Saúde, os quais liberam a exigência de registro das matérias-primas para todas as categorias de produtos.
Apesar da dispensa de registro de matérias-primas e insumos farmacêuticos, as empresas que produzem e distribuem essas substâncias aqui no Brasil têm que ser autorizadas a funcionar pela ANVISA, estando submetidas à fiscalização da Vigilância Sanitária, tanto municipal como estadual. É interessante, que as que produzem fora do Brasil não necessitam ser fiscalizadas.
Muitos países mesmo sendo produtores e distribuidores de insumos farmacêuticos, não possuem uma legislação específica, contribuindo com os problemas de qualidade a nível mundial, principalmente em países que não tem como controlar a entrada destes materiais. Em função da incompleta regulamentação, são utilizados pela indústria farmacêutica insumos ativos e inativos de origem variada encontradas no mercado, desde aqueles produzidos por empresas registradas em órgãos públicos com certificação internacional, ou qualificadas por fornecedores, e mesmo outras que são produzidas por empresas pertencentes a outros ramos de atividades. No campo da distribuição, a complexidade se amplia, incluindo nestas atividades os importadores que recebem substâncias de outros países, cuja rastreabilidade é praticamente impossível de ser feita.
A falta de padronização, mesmo de substâncias ativas muito conhecidas, gera problemas. Não é incomum encontrar-se limites de impureza diferentes em reputadas farmacopéias. Também não é incomum encontrar países que não têm farmacopéia, bem como outros que convivem com precária estrutura para a elaboração e atualização de farmacopéias, segundo
A Farmacopéia Brasileira deveria ser ágil e atuar como o Conselho da Europa, que elaborou em curto espaço de tempo uma farmacopéia invejável. Como sugestão, proponho aos componentes da Farmacopéia Brasileira ao invés de ter gasto tempo tentando inventar a roda, que façam acordos internacionais com a Europa e Estados Unidos, pensando até em traduzir estas farmacopéias internacionais, e isto pode ser gratuito. Desta forma teremos uma Farmacopéia Brasileira sempre atualizada, e assim saímos desta dificuldade que a indústria farmacêutica principalmente a nacional enfrenta.
Devido a todos estes fatos, a qualificação de fornecedores de insumos, principalmente de matérias-primas, se faz necessário para a indústria farmacêutica, e esta qualificação pode ser feita por meio da iniciativa e de critérios desenvolvidos pela indústria farmacêutica, baseado na Portaria 15/95 (revogada pela RDC 249 de 13/09/2005), na RDC 210/03 ou em consultas públicas referentes a farmoquímicos no site da ANVISA, manuais de entidades associativas como FEBRAFARMA/SINDUSFARMA, ou com ajuda de indústrias farmacêuticas que já utilizam a qualificação. O importante é começar, porém, lembre-se, invista em recursos humanos e físicos, não sobrecarregue seus funcionários, pois não conseguirão ter sucesso. Analise os resultados e verá que fez um bom investimento (a qualificação agrega custos, porém evita prejuízos).
Imagine como seria bom se existisse um banco de dados de fabricantes e fornecedores de insumos onde todos fossem registrados com seus respectivos insumos, indicando qual está certificado, qual está em péssimas condições de fornecimento e as suas respectivas matérias-primas aprovadas e rejeitadas e se possível descrevendo o motivo. Seria possível reduzir os custos de qualificação de fornecedores, que é fonte de agregação de custos sobre os medicamentos.
Devo lembrar que de acordo com a RDC nº58/00, agora RDC nº 186/04, se a indústria farmacêutica ou farmácia de manipulação detectar que um item da matéria-prima fornecida por um fabricante/fornecedor estiver fora da especificação, tal fato deve ser comunicado a ANVISA dentro de um prazo máximo de 48 horas após a detecção do desvio de qualidade, por meio do preenchimento do formulário de Notificação e Reprovação de Droga ou Insumo Farmacêutico.
A RDC nº 33 de 19 de abril de 2000, da ANVISA, exige que as matérias-primas adquiridas pelas farmácias de manipulação venham acompanhadas dos respectivos laudos de análise emitidos pelos fabricantes e fornecedores, e que a farmácia realize uma avaliação crítica destes laudos como parte de seu controle de qualidade.
Um trabalho publicado (Avaliação crítica de certificados de análise de matérias-primas para o setor magistral com base na RDC 133 - Migliato, K.F. Jr; Borini, G.B, Franchini, C.C., Revista Brasileira de Ciências Farmacêuticas vol. 37, supl. 2, 2001), relata que 17% dos laudos analíticos emitidos pelo distribuidor são uma fotocópia do laudo emitido pelo fabricante: 6% dos certificados analíticos que chegaram na farmácia estavam escritos em inglês.
A RDC 33 exige que os certificados sejam datados, assinados e com identificação e número de inscrição do Conselho Profissional do responsável técnico, porém 11% não tinham estes dados ou estes estavam incompletos. Apenas 40% dos laudos citavam uma ou mais fontes farmacopéicas, 8% dos laudos não citavam a origem da matéria-prima, apenas 22% das matérias-primas são de origem nacional, sendo que 70% são de países estrangeiros, principalmente China (17%) e Índia (16%).
Os resultados obtidos demonstraram a existência de certificados de análise que são uma fotocópia do original, escrito em inglês, com ausência de informações acerca da origem da matéria-prima, ausência de referências farmacopeicas ou de outras fontes oficialmente reconhecidas. Além disso, alguns fornecedores não estão cumprindo a legislação em vigor envolvendo a identificação do responsável técnico pelo certificado de análise.
Estas observações sugerem descaso por parte dos fornecedores em relação à garantia de qualidade das matérias-primas que comercializam. A falta de referências farmacopeicas sobre as normas e especificações empregadas no controle das matérias-primas dificulta a reanálise adequada por parte da farmácia.
Vantagens da qualificação
• Evitar devoluções, que acarretam atrasos e faltas do produto para o consumidor;
• Evitar não conformidades que podem ser detectadas, somente durante o processo produtivo pelo próprio consumidor, ficando exposto ao risco até o final de seu prazo de validade, que pode afetar a imagem institucional da empresa, além dos prejuízos financeiros;
• Permite a otimização dos processos industriais, por meio da validação de toda cadeia produtiva, sem insumos farmacêuticos qualificados é impossível validar os processos e conseqüentemente o produto;
• Tendo um fornecedor com qualidade assegurada, pode-se reduzir número de inspeções e análises;
• Cumpre a legislação vigente RDC 210/2003 e outras RDC referentes à farmoquímicos;
• Evitar problemas recorrentes a falhas como: atrasos na entrega, variações na qualidade do material, alterações no material sem comunicação prévia. Exemplo: laboratório comprava uma matéria-prima A do mesmo fabricante. Este, sem aviso prévio, alterou a granulometria. Como o laboratório não realizava o perfil granulométrico e o processo era por via úmida, nada foi detectado durante a produção. Com o passar do tempo o laboratório teve uma reclamação e o produto foi para análise fiscal e foi detectado que o produto apresentava baixa dissolução, caracterizada pelo ativo ser pouco solúvel e sensível a alterações superficiais de granulometria no caso apresentado. Os lotes foram rejeitados, retirados do mercado e incinerados;
• Não utilização de fontes de fornecimento com níveis de qualidade/desempenho diferentes para o mesmo material;
• O ganho real da indústria trabalhando com um fornecedor qualificado vai além de uma simples economia de custo de matéria-prima. A economia vai até áreas onde o custo fixo e variável são importantes para a empresa. Quando se trabalha com just-in-time, também representa uma economia;
• Diminui o custo de importação quando se trabalha com matérias-primas nacionais de boa qualidade e não variabilidade entre lotes tanto físico-químico ou microbiologicamente. A indústria farmoquímica nacional deve investir muito em qualidade para se tornar competitiva, a qualidade ainda está baixa, salvo algumas exceções. Em alguns casos, acordos internacionais a curto, médio e longo prazo também dão bons resultados;
• Permite a implantação de sistemas organizacionais como o Controle Estatístico de Processo (CEP), que é muito útil, pois existe pouca variação no processo quando se trabalha com fabricantes qualificados;
• Estabilidade no fornecimento do produto, que faz com que a imagem de sua empresa cresça no mercado, com clientes mais satisfeitos;
• Reduzir o número de fornecedores.
Tipos de fornecedores e grau de satisfação do cliente
Vamos classificar em baixo, mediano e alto o grau de satisfação do cliente.
1. Tradicional (participa de licitações, pregões, compras oportunistas): baixo.
2. Credenciados (ainda não qualificados): mediano.
3. Qualificados (verdadeiros parceiros): alto.
Para manter a qualidade e obter mais benefícios para a sua empresa, é importante:
• Utilizar insumos farmacêuticos de qualidade comprovada,
• Nunca priorizar o preço em detrimento da qualidade;
• Adquirir farmoquímicos de produtores devidamente habilitados pelos órgãos sanitários de seus países;
• Aprimorar, permanentemente, o controle de qualidade dos produtos farmoquímicos adquiridos;
• Dar preferência, em igualdade de condições, aos farmoquímicos produzidos no Brasil, reduzindo problemas decorrentes da importação e custos de armazenamento na sua empresa;
• Estar ciente de que, comprando farmoquímicos produzidos no País, a sua empresa terá possibilidade de obter especificações das matérias-primas mais condizentes com as suas necessidades de produção;
• Inserir a sua empresa dentro do esforço de aumentar a produção brasileira de farmoquímicos, reduzindo as importações, gerando mais empregos no País e promovendo o desenvolvimento tecnológico da nossa cadeia produtiva, sem ufanismo exagerado. (Associação Brasileira da Indústria Farmoquímica, 2005)
Nova RDC para estudar a problemática de fabricantes e fornecedores
A RDC nº 196 de 29/06/05, considera que é importante a necessidade de se assegurar a qualidade dos insumos farmacêuticos quanto à eficácia e ausência de efeitos indesejáveis. Há necessidade de regulamentar, quanto às Boas Práticas de Distribuição e Fracionamento, as indústrias distribuidoras e fracionadoras de insumos farmacêuticos e existe a necessidade de capacitação constante de inspetores, visando o aperfeiçoamento e a uniformização dos procedimentos de inspeção. Além disso, cita que há necessidade de rastrear possíveis problemas e subsidiar ações de fiscalização.
Para atender esta RDC, a ANVISA instituiu um grupo de trabalho integrado por representantes de diversas áreas e entidades, com um prazo de 90 dias para avaliação e elaboração de Regulamento sobre Boas Práticas de Distribuição e Fracionamento de Insumos Farmacêuticos.
Entre as ferramentas que podem ser utilizadas para qualificação está a Portaria nº 15 de 4 de Abril de 1995 (agora RDC nº249 de 13/09/2005). Estas RDCs e consultas públicas consideram a necessidade de instituir como norma de inspeção das Unidades Federadas o Roteiro de Inspeção para a Indústria Farmoquímica.
A revisão da Portaria nº 15 veio promover a compatibilização com as Normas Internacionais de BPF da produção interna e importação/exportação de insumos farmacêuticos, a fim de garantir a qualidade, segurança e a rastreabilidade destes produtos quando da sua utilização nos processos de fabricação de medicamentos. Isso promove um grande avanço tecnológico nos farmoquímicos que são fabricados no Brasil ou que são importados, exigindo destes fabricantes uma qualidade que seja excelente, pois estamos tratando com a saúde.
A Resolução da Diretoria Colegiada, RDC nº35 de 25 de Fevereiro de 2003 considera que:
• Há necessidade de padronizar as ações da vigilância sanitária referentes aos insumos farmacêuticos a serem utilizados na fabricação de medicamentos;
• Há necessidade de garantir a rastreabilidade e subsidiar as ações da fiscalização de insumos farmacêuticos;
• Que os insumos farmacêuticos em sua grande maioria são provenientes de outros países;
• Que todo o segmento envolvido na distribuição e fracionamento é responsável solidário pela identidade, eficácia, qualidade e segurança dos insumos farmacêuticos.
A RDC nº 186 que revoga a RDC nº 58/2000, inclui alterações, entre as quais considero mais importante que na ausência de compêndios oficiais para drogas e insumos farmacêuticos, poderão ser adotadas as especificações do fabricante, baseadas no desenvolvimento de metodologia analítica específica. Vamos fixar em nossas mentes este conceito de Maria Luiza de Souza Rossi, que o fabricante de insumos farmacêuticos e os fornecedores são os especialistas potenciais do material que eles fornecem, portanto, os únicos com tecnologia e conhecimentos suficientes para garantir aos consumidores uma qualidade excelente, acima de qualquer expectativa, e uma assistência técnica permanente, enquanto fornecedor daquele material naquela empresa, e as empresas deveriam utilizar este benefício como parte de sua cadeia de processo, e ainda como fonte permanente do valor agregado ao produto.
Publicado na revista Fármacos & Medicamentos 46 (Maio/Junho 2007)
Atualizado em Qui, 18 de Fevereiro de 2010 15:56